Linha de Costa
2019Fortaleza
Exposição realizada em parceira com o Descoletivo - Marília Oliveira e Régis Amora - tendo curadoria de Bitú Cassundé. Exibida durante cerca de quatro meses no MAC-CE, o projeto Linha de Costa foi resultante de premiação em edital de incentivo às artes da Secult-CE, para a linguagem de fotografia. O projeto tinha como objetivo, a partir de pesquisa bibliográfica e em campo no litoral do estado do Ceará, tratar sobre o avanço da maré em vilas litorâneas e a mudança de traçado da linha de costa; estas modificações na costa decorrem de movimentação natural do mar mas também, e principalmente, por ação e ocupação humanas.
As localidades visitadas, durante o período de levantamento e pesquisa para a exposição, foram as praias de Iparana, Pacheco, Icaraí e Taíba – no litoral oeste – e as praias de Balbino, Caponga, Presídio e Iguape – no litoral leste –. A abordagem do tema no projeto partiu da memória e do esquecimento, da materialidade e da ruína, tratando o desaparecimento dos espaços a partir de uma leitura poética, autobiográfica e fabulativa.
texto curatorial
O mar avança dez metros por ano no Ceará. O novo aterro da Praia de Iracema, o Porto do Pecém, o Mucuripe, os pescadores, o valor do metro quadrado, a especulação imobiliária, o peixe assado na beira da praia e as crianças que não brincam mais. As memórias das casas de veraneio da Taíba e os moradores que servem as mesas do Festival do escargot, os trios elétricos estacionados na faixa de areia do Presídio, os espigões da Caponga, as sereias, as mentiras, as contenções. Entre Atlântida e Icaraí, entulhos, histórias míticas, políticas públicas. Toda noite cai mais um pedaço daquele prédio em que alguém comemorou aniversário feriado dia santo ano novo. Entre o fetiche pela ruína e a boca ávida da construção civil, o Ceará avança – e o mar também.
Perdidos nesse desejo de guardar pedaços do que está por desaparecer é que caminhamos, tentando compreender como se faz memória do que todo dia é engolido um pouco mais. E quem somos nós pra dizer as memórias alheias? Pra eleger qualquer coisa que mereça ser guardada em caixa de vidro e obra de arte? Fotografias antigas, vontade de carregar algo antes que a onda leve, desejo de dizer o que nunca mais será visto – e que sequer chegamos a conhecer.
O mar avança, os sacos de areia se dissolvem na Prainha, a gente passa pelos canos de ferro deitados na Beira Mar para se banhar mais pra lá, os apartamentos de meio milhão são comercializados e os peixes e as praias desaparecem. Dizem que pessoas, um dia, sobreviveram ao naufrágio de suas terras e, no fundo dos oceanos, experimentaram uma vida outra, respirando embaixo d´água e nadando protegidas da própria catástrofe.
Não falamos, no entanto, que o mar devora as histórias enquanto se move.
Nunca nos disseram que, independente do que consigamos carregar, sempre é muito mais o que se perde.
Nossa relação com o mar é um combate: inútil, tolo, mesquinho e suicida. Não há como conter o que não cabe, o que é mistério e divindade, alucinação do viajante e destino por si só. O que é ao mesmo tempo caminho e chegada, descanso e trabalho incessante. Incessante: nossa vida cessa, a guerra se dissolve, os canos se enterram, as praias se perdem e o mar continua lá. Antes e depois de nós. Antes e depois de nós, incontível!
Linha de Costa investiga, através de uma grande instalação, resíduos de histórias, memórias, vida e morte de distintas naturezas e arqueologias, emergindo para o olhar, e para o visível, processos que se invisibilizam diante dos nossos próprios olhos, diante da nossa incapacidade de operar com dignidade diante da natureza que nos acolhe.
O mar avança dez metros por ano no Ceará. O novo aterro da Praia de Iracema, o Porto do Pecém, o Mucuripe, os pescadores, o valor do metro quadrado, a especulação imobiliária, o peixe assado na beira da praia e as crianças que não brincam mais. As memórias das casas de veraneio da Taíba e os moradores que servem as mesas do Festival do escargot, os trios elétricos estacionados na faixa de areia do Presídio, os espigões da Caponga, as sereias, as mentiras, as contenções. Entre Atlântida e Icaraí, entulhos, histórias míticas, políticas públicas. Toda noite cai mais um pedaço daquele prédio em que alguém comemorou aniversário feriado dia santo ano novo. Entre o fetiche pela ruína e a boca ávida da construção civil, o Ceará avança – e o mar também.
Perdidos nesse desejo de guardar pedaços do que está por desaparecer é que caminhamos, tentando compreender como se faz memória do que todo dia é engolido um pouco mais. E quem somos nós pra dizer as memórias alheias? Pra eleger qualquer coisa que mereça ser guardada em caixa de vidro e obra de arte? Fotografias antigas, vontade de carregar algo antes que a onda leve, desejo de dizer o que nunca mais será visto – e que sequer chegamos a conhecer.
O mar avança, os sacos de areia se dissolvem na Prainha, a gente passa pelos canos de ferro deitados na Beira Mar para se banhar mais pra lá, os apartamentos de meio milhão são comercializados e os peixes e as praias desaparecem. Dizem que pessoas, um dia, sobreviveram ao naufrágio de suas terras e, no fundo dos oceanos, experimentaram uma vida outra, respirando embaixo d´água e nadando protegidas da própria catástrofe.
Não falamos, no entanto, que o mar devora as histórias enquanto se move.
Nunca nos disseram que, independente do que consigamos carregar, sempre é muito mais o que se perde.
Nossa relação com o mar é um combate: inútil, tolo, mesquinho e suicida. Não há como conter o que não cabe, o que é mistério e divindade, alucinação do viajante e destino por si só. O que é ao mesmo tempo caminho e chegada, descanso e trabalho incessante. Incessante: nossa vida cessa, a guerra se dissolve, os canos se enterram, as praias se perdem e o mar continua lá. Antes e depois de nós. Antes e depois de nós, incontível!
Linha de Costa investiga, através de uma grande instalação, resíduos de histórias, memórias, vida e morte de distintas naturezas e arqueologias, emergindo para o olhar, e para o visível, processos que se invisibilizam diante dos nossos próprios olhos, diante da nossa incapacidade de operar com dignidade diante da natureza que nos acolhe.
Bitu Cassundé
Marília Oliveira
Marília Oliveira
O projeto teve, como desdobramento, uma oficina de intervenção sobre fotografia, de 10h/aula, ministrada por Marília Oliveira e por mim, na Escola Porto Iracema das Artes e com apoio do Programa de Fotopoéticas do Porto Iracema.
Sob o título “O mar continua lá: oficina de intervenção sobre fotografia” a atividade prática propunha aos participantes levarem memórias, registros de veraneio, referências e estórias de praia para recriarem registros fotográficos por meio de intervenções como desenho, pintura, colagem e palavra.
jornais e divulgações
> aqui
> aqui
> e aqui
Sob o título “O mar continua lá: oficina de intervenção sobre fotografia” a atividade prática propunha aos participantes levarem memórias, registros de veraneio, referências e estórias de praia para recriarem registros fotográficos por meio de intervenções como desenho, pintura, colagem e palavra.
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O lançamento do catálogo da exposição Linha de Costa foi o segundo desdobramento do projeto. Lançado em junho de 2021, mais de um ano após a conclusão da exposição, no Museu de Arte Contemporânea do Dragão do Mar, devido ao agravamento da pandemia de Covid-19 e o isolamento social, o catálogo foi planejado de modo a expandir a pesquisa para o formato de pequenas publicações.
Junto com as vistas de exposição e o texto curatorial, cada um dos três artistas propôs um caderno visual particular, explorando outras vias além do material exposto fisicamente no museu. O catálogo teve seu lançamento virtual em 29 de junho de 2021 e seguirá em distribuição gratuita, através do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, seguindo os protocolos e decretos estaduais de abertura.
Clique aqui para conhecer melhor o caderno que desenvolvi para o fechamento do projeto, o Falso-precário.
Junto com as vistas de exposição e o texto curatorial, cada um dos três artistas propôs um caderno visual particular, explorando outras vias além do material exposto fisicamente no museu. O catálogo teve seu lançamento virtual em 29 de junho de 2021 e seguirá em distribuição gratuita, através do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, seguindo os protocolos e decretos estaduais de abertura.
Clique aqui para conhecer melhor o caderno que desenvolvi para o fechamento do projeto, o Falso-precário.