Fronteiras, Olhar Adiante
2017Fortaleza
Parte da sétima edição do Encontros de Agosto, festival de fotografia de Fortaleza/CE, a coletiva “Fronteiras, Olhar Adiante” reuniu, por meio de convocatória e seleção, 20 ensaios fotográficos, expostos no Museu da Cultura Cearense do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. A banca curadora de seleção foi composta por Silas de Paula (curador do Encontros de Agosto), Carlos Carvalho (representante do Festival Internacional de Porto Alegre – FestFoto) e Daniel Sosa (diretor do Centro de Fotografia de Montevidéu).
Apresentei o políptico Inventários dos Desvios, recorte de um processo mais amplo, de caminhadas litorâneas consecutivas, para colheita de objetos em deriva e registro fotográfico de acontecimentos. Baseando-me em uma prática de deslocamento do corpo e da construção pela repetição do gesto, a obra apresentada é um recorte de um local específico, a Foz do rio Pacoti, onde o rio encontra o mar entre as dunas da Sabiaguaba e do Porto das Dunas, no Ceará.
O Inventários dos Desvios busca refletir sobre a reorganização de signos e as reinterpretações a partir da mudança de rotas e dos encontros físicos com um território em constante mudança. Utilizando registros feitos em caminhadas para coleta de materialidades na foz do Rio Pacoti, cria-se imageticamente um vocabulário de acontecimentos, organizados em uma narrativa possível e sobre o qual é elaborado um processo psicanalítico de significados e significantes.
O encontro é um lugar bonito; refaz as peles dos olhos e avança pelos territórios emocionais, enquanto o corpo coleta geografias e deambula por aí. O mundo permanece se reorganizando diante do olhar, revelando desvios que habitam recônditos e querem nos intuir sobre fronteiras. Andar é produzir quebras em si. Desloca-se o mapa a cada novo desejo, de modo que toda narrativa é fruto de fraturas.
Parece-me que está tudo ali e não se faz visível, pois há camadas do tempo que se comportam como peles de vestir. A pele da água se move para cobrir, como também cobre para remover as possibilidades de leitura, falando sobre reaprender. Entre estas fronteiras, transparentes e opacas, brotam caranguejos que resistem à correnteza, enquanto na sua superfície riscam em dança pequenos peixes. Toda uma vida ocorre no entremeio delineado pela passagem do tempo e a respiração da água. Insistem os pequenos seres em beliscar essa imagem percebida – como fossem memórias ou ensejos – sem, no entanto, se revelarem. Como os desvios que habitam recônditos e produzem fendas.
O desejo do líquido lambendo a dureza, o carinho da brisa que é constante, essas demonstrações todas vestem os territórios com finas camadas de pele em grão. O pequeno grão que adentra a concha se veste também até resolver ser pérola. Tudo é posto em camadas sutis de reescrita. Cada objeto é um lugar único e tergiversa sobre a vertigem da existência, como boiar sem tocar os pés no fundo.
A narrativa da vida é como a dança da maré e abre em nossa dureza fendas, por onde escorrem os líquidos e as luzes, por onde ocorre a insinuação do que está aguardando acontecer. A fratura que se apresenta cria um abismo e para atravessá-lo quem sabe apenas em outro estado da matéria. A fronteira ensina algo de transmutar-se para chegar ao lado de lá. Certas possibilidades não se traduzem por completo e é preciso viver o outro idioma. A travessia é uma vontade.
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